metal gear solid 2
Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty é talvez o jogo que tenha mais se beneficiado com o passar do tempo, fazendo significativamente mais sentido para o público de 2021 do que para — a maioria? — das pessoas que o jogaram pela primeira vez em 13 de novembro de 2001.
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Não mecanicamente, claro: embora certamente jogável e extremamente divertido quando você descobre como brincar com seus sistemas, ainda é preciso um tempo de adaptação para quem está acostumado com um esquema de controle contemporâneo.
Mas tematicamente falando? Há uma razão pela qual muita gente considera Hideo Kojima um profeta moderno, e ela reside neste jogo e suas discussões que vão desde a Era Digital e seu fluxo de dados, controle social e sobrecarga de informações, até impotência política popular e a busca por livre arbítrio em uma sociedade regida por programas artificiais e algoritmos de computador.
Konami/Divulgação
Alguns trabalhos levam algum tempo para serem propriamente avaliados e analisados, e embora MGS 2 sempre tenha sido aclamado, foi só com o passar dos anos que muito do que parecia simples loucura desconexa de seu subtexto que se tornou mais coeso — com o mundo tendo alcançado suas ideias, de certa forma.
(É claro, Kojima conseguiu reforçar essa reputação com Death Stranding e seus temas de isolamento meses antes da pandemia de COVID-19)
Metal Gear Solid 2 foi o primeiro contato direto que tive com a série, tendo só ouvido falar do game anterior via amigos que tinham um PlayStation. Na época, estando na faixa dos 11/12 anos, suas temáticas não ficaram exatamente grudadas na minha cabeça, mas mesmo superficialmente nunca havia visto nada do tipo até então: os valores de produção; a qualidade visual; as várias mecânicas e sistemas que se conversavam de maneiras inesperadas; as caixas de papelão…
Naquela época, o jogo já tinha alguns anos, e por isso já tinha noção sobre o que era considerada a grande reviravolta na narrativa, em que Solid Snake dava lugar ao franzino Raiden como personagem jogável e central da história.
Foi uma decisão que deixou muita gente espumando de raiva, e é fácil ver porque o ódio na época — Snake era badass, Raiden não (ao menos à primeira vista) —, mas com o benefício do tempo é possível ver o nível do acerto de Kojima e sua equipe.
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Em uma narrativa sobre pessoas lidando de diversas formas com sistemas e forças que controlam não só eles como tudo ao seu redor, Raiden é, do momento em que é apresentado até a batalha final, um de seus maiores fantoches, essencialmente incapaz de ter uma vontade própria — o que, de certa forma, o torna uma figura ideal para ser guiada pelo jogador.
(Além disso, seu treino e experiências em realidade virtual hoje em dia servem quase como uma alusão a pilotos de drone e a espécie de “desassociação” da qual sofrem)
Raiden tem uma história mais rica e complexa do que aparenta inicialmente, mas seu papel é essencial para desenrolar o fio do novelo que envolve a Big Shell, os misteriosos Patriots, GW, controle de informação e liberdade de pensamento.
Por tabela, Snake acaba servindo de contraponto, sendo alguém que serviu o exato papel de ferramenta de um sistema terrível que procura lutar por algo melhor, tentando convencer outros (Raiden, no caso) de seguir seu próprio caminho.
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Graças aos avanços de hardware do PlayStation 2, MGS 2 conseguiu ser extremamente ambicioso das mais diferentes formas: mecânicas que acabaram virando essenciais como a visão em primeira pessoa e o controle da câmera para espiar corredores e salas; gráficos impressionantes para a época, e que mesmo décadas depois não se mostram tão datados; sistemas variados que podiam gerar situações inusitadas, desde pegar um resfriado caso fique na chuva por muito tempo ou escorregar no cocô das gaivotas vistas nos tetos da Big Shell.
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E, é claro, essa ambição e potencial também se refletiu na narrativa: enquanto o original também tratava de assuntos mais complexos do que outros games da época, abordando a questão de desarmamento nuclear e o papel do complexo militar-industrial no pós-Guerra Fria, Metal Gear Solid 2 foi além, abordando as estruturas sociais e normativas que regem a sociedade moderna, e o papel que a evolução tecnológica e digital tem nisso tudo.
Conspirações sobre um poder maior por trás da presidência dos Estados Unidos não é algo exatamente novo (ou difícil de acreditar, sejamos justos), mas os Patriots são figuras marcantes por representar como entidades poderosas se mantêm no poder se adaptando às formas de controle e distribuição de informação ao público.
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Não só isso, eles dão espaço para reflexões ideológicas de diversos personagens: o presidente Johnson não consegue conceber um mundo sem algum tipo de controle por figuras como os Patriots; já Solidus, o antagonista central da história, quer destruir suas estruturas para fazer os EUA voltarem a seus supostos ideais de liberdade.
Solidus, incidentalmente, é um dos vilões mais interessantes e curiosos de todo o universo dos games. No fundo ele é um psicopata violento e megalomaníaco, mas sua missão e objetivos são fáceis de simpatizar.
Em algum nível, é fácil admitir que Solidus tem razão ao fazer um ataque contra esse sistema, embora até que ponto varie de pessoa para pessoa.
E é claro, não podemos falar de vilões de MGS2 sem falar na cena e conversa cujo conteúdo fica cada vez mais relevante com o passar dos anos.
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“As verdades não-testadas divulgadas por interesses diferentes continuam a se formar e acumular na caixa de areia do politicamente correto e sistemas de valores.”
“Todos recuam para suas pequenas comunidades cercadas, com medo de um fórum maior. Eles ficam dentro de suas pequenas lagoas, vazando qualquer ‘verdade’ que se encaixa no seu ponto de vista para a crescente fossa que é a sociedade em geral.”
“As diferentes verdades nem se batem nem se misturam.”
“Ninguém é invalidado, mas ninguém está certo.”
… É difícil não traçar um paralelo com o mundo digital de 2021, especialmente com um olhar mais cínico sobre isso tudo.
Ao mesmo tempo, também vale notar que a última palavra quanto a isso tudo fica com o próprio Solid Snake — imagino, refletindo os pensamentos do próprio Hideo Kojima —, sobre como podemos usar as ferramentas do mundo digital para preservar e entender o passado para conceber um futuro melhor.
Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty é um jogo marcante, e as cerca de mil palavras escritas acima por alguém exausto em uma madrugada de novembro certamente não fazem jus ao que ele representa tanto para a série em si quanto para a mídia de videogames como um todo, sendo uma das poucas obras do tipo que considero transcendental.
Há muito, muito mais a discutir, ler e saber sobre este jogo, e se sou apenas mais um a divulgar mais uma dado inútil relacionado a ele, acho um pequeno legado válido a se deixar para outros.
Idealmente, sugeriria ao leitor a dar uma chance a este clássico, mas em uma ironia magistral a Konami teve que remover todas as versões do jogo (e Metal Gear Solid 3) de lojas digitais devido a uma questão de licenciamento de imagens de arquivo.
Talvez nada fosse tão apropriado para acontecer no vigésimo aniversário de Metal Gear Solid 2, ilustrando a si mesmo.
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